21/03/2016

10. Leonard Cohen - The Stranger Song

Música: The Stranger Song
Artista: Leonard Cohen
Álbum: Songs of Leonard Cohen
Lançamento: 1967


Enquanto instrumentalmente o arranjo do dedilhado de violão seja muito bonito, o ponto forte das músicas do Leonard Cohen obviamente são suas letras.

The Stranger Song é sobre uma personagem (muito provavelmente uma mulher, já que por mais progressivo que os anos 60 tenham sido, romances gays ainda estavam longe de serem comuns) que se decepciona com uma série de romances falhos. A letra usa o simbolismo de jogadores de poker para descrever esses homens que usam a protagonista como abrigo temporário. Todos os homens que ela conheceu disseram que eles estavam cansados de jogar baralho, ou seja, de manter relações efêmeras. Porém, no final todos eles voltam para essa vida de "jogatina", dizendo que eles avisaram desde o início que eram apenas um estranho qualquer (I told you when I came I was a stranger) e que isso seria temporário.

No início, a música conta a separação de um desses casos: a protagonista acabou sem nada, nem mesmo risadas, apesar dos curingas (jokers) que ele deixou - ele levou todas as outras cartas (tudo o que ela sentia por ele), então ficar com apenas alguns curingas é inútil. Esse ex-amante procurava a "carta mais alta"; a carta que, se ele tirasse, ele não precisaria trocar por outra - a mulher mais perfeita; o amor mais intenso; uma vida mais significativa; algum tipo de grandeza. Porém, com todo o abrigo que ela lhe ofereceu, isso supostamente fez com que ele se "enfraquecesse" em seus sonhos por algo maior e ele a abandonou.

A segunda parte da letra fala sobre um segundo amante. Ele também diz que deixou o poker e quer trocar isso pelo abrigo que ela oferece, mas ela permanece desconfiada, pois muitos homens já lhe disseram isso antes - ela pensa que ele logo irá embora (and while he talks his dreams to sleep you notice there's a highway that is curling up like smoke above his shoulder). No entanto, algo diferente acontece agora: ela mesma enxerga a porta de seu abrigo aberta e cria a tentação de ir embora antes que algo aconteça. Ela se tornou uma mulher incapaz de acreditar num romance verdadeiro e, eventualmente, percebe que ela também pode ser a stranger na vida de algum homem sincero. Esse segundo romance também termina, mas agora ela divide uma certa cumplicidade no fim do relacionamento.

A música termina com uma repetição das primeiras estrofes onde o primeiro stranger a deixa sem nada e justifica sua ida, fazendo com que toda essa história seja um ciclo.

11/03/2016

9. Milton Nascimento - Os Escravos de Jó

Música: Os Escravos de Jó
Artista: Milton Nascimento
Álbum: Milagre dos Peixes
Lançamento: 1973


Com o mesmo título da ciranda famosa (Escravos de Jó, jogavam caxandá / tira, põe, deixa ficar / guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá), essa é a música que abre o primeiro disco pós-Clube da Esquina de Milton Nascimento. A música ainda retém um ritmo de cantiga de roda (mais parecido com capoeira, na verdade, incluindo berimbau e cantos de "paraparaê, paraná"), mas não tem mais nada a ver com a ciranda que acabei de escrever. Os "escravos de Jó" aqui são outros... Somos nós naquela época de chumbo da ditadura.

A ditadura censurou quase todas as letras desse álbum, então o álbum é quase todo instrumental. Só o fato de o disco ter sido lançado, mesmo que instrumental, foi uma afronta aos militares - o Milton diz numa entrevista que ele ficou sem ver o filho durante vários anos por conta do lançamento, pois os militares ameaçaram a vida do filho dele. Uma das poucas instâncias onde uma música retém a letra é nesta música: Saio do trabalho, ê / volto para casa, ê / não lembro de canseira maior / tudo é o mesmo suor. Esses quatro versos são cantados magnificamente pela voz grave de Clementina de Jesus.

Os dois elementos mais preponderantes, eu diria, são a produção e a percussão. A produção é podrona, distorcida, como se tudo estivesse sendo tocado e gravado em um volume ensurdecedor. O formato mais "livre" da composição (assim como do álbum todo) aliada a essa produção dá um ar muito contrastante à escravidão da letra - é a voz da liberdade querendo ser ouvida. A percussão de Naná Vasconcelos (incluindo os diversos efeitos vocais que ele faz) é simplesmente arrepiante. Sério, eu me arrepio muito quando entra aquele berimbau, pois a percussão antes disso já é tão maravilhosa, mas o berimbau chega dizendo: "você ainda não ouviu nada...". Descanse em paz, Naná (o motivo de eu estar escrevendo sobre essa música agora, além de eu amar ela há muito tempo, é pelo fato de ele ter morrido ontem...).

01/03/2016

8. James Brown - Get Up (I Feel Like Being a) Sex Machine

Música: Get Up (I Feel Like Being a) Sex Machine
Artista: James Brown
Álbum: nenhum [single]
Lançamento: 1970


Fellas, I'm ready to get up and do my thing! (Yeah! That's right! Do it!) I want to get into it, man, you know? (Go ahead! Yeah!) Like a, like a sex machine, man, (Yeah!) movin', doin' it, y'know? (Yeah!) Can I count it off? (Okay! Alright!) One, two, three, four!

E após esse diálogo icônico a música começa. O James Brown se reinventou duas vezes em seu período clássico: uma vez nos anos 60, onde ele criou o funk; a segunda vez aqui em 1970, onde ele re-estilizou seu funk. O funk que ele criou nos anos 60 possuía bastante sopro (trompete, trombone, saxofone); o funk que ele criou com sua nova banda, os J.B.'s, a partir desse ano de 1970, era mais minimalista, com muito mais guitarra e menos sopro.

"Get Up" possui um ritmo repetitivo com um riff de guitarra (com apenas DOIS acordes) e uma batida. O baixo, porém, fica grooveando ao fundo. De vez em quando o pianista toca uma melodia desacompanhado do James Brown, mas ainda seguindo o mesmo tom repetitivo da guitarra. A única mudança harmônica ocorre na ponte, bem no meio da música (o James chamando a ponte - "take me to the bridge!" - foi homenageado na música "The Crunge" do Led Zeppelin). Além de tudo, as músicas dele nessa época possuem durações longas, entre 5 e 7 minutos, então a repetitividade fica ainda mais pronunciada. Esse estilo funciona basicamente para ele ficar pirando: cantando e improvisando vozes (a letra também é mínima, só pra constar), dançando, sentindo o groove...

O baixista e o guitarrista dos J.B.'s são ninguém menos do que Bootsy Collins e Catfish Collins, irmãos que depois tocaram no Parliament-Funkadelic. O tecladista Bobby Byrd é o cara que faz a chamada e resposta com o James Brown ("get up! (get on up!)"). O pessoal do sopro só toca uma nota (repetidamente) no comecinho e no finalzinho da música - uma mudança drástica se você comparar as músicas sessentistas dele cheias de sopros ("I Got You", "Cold Sweat", "Papa's Got a Brand New Bag" etc.).

15/02/2016

7. Tori Amos - Blood Roses

Música: Blood Roses
Artista: Tori Amos
Álbum: Boys for Pele
Lançamento: 1996


Ostentando uma melodia medieval complexa tocada num cravo (eu amo cravo, pqp), essa música é carregada sexualmente, mas um tipo de sexualidade crua e até dark, como se ela estivesse se livrando de algo emocionalmente intenso. A letra possui versos como "you gave him your blood and your warm little diamond", "I shaved every place where you've been, boy" e "when he sucks you deep, sometimes you're nothing but meat". Pesado.

Ela canta tudo isso entre "ahs" suspirados, graves e agudos vibrados, momentos de projeção vocal onde ela parece soltar todo o peso guardado em si, outros momentos mais introvertidos, e finalmente um "come on, come on, come on" falhado e desesperado. É uma grande variedade; uma grande interpretação (que na verdade parece muito pessoal para ser uma "interpretação"). Não há nenhum outro instrumento além do cravo (e sua voz), mas apesar da exuberância da melodia, o contraste com a crueza da voz e da letra é o tipo de contraste que me faz amar músicas como essa.

14/02/2016

6. Kanye West - Love Lockdown

Música: Love Lockdown
Artista: Kanye West
Álbum: 808s & Heartbreak
Lançamento: 2008


Depois da morte de sua mãe e do término de seu namoro de 6 anos, o Kanye West ficou devastado e quis expressar isso musicalmente. Ele achou que o rap limitava essa expressão de dor e resolveu fazer um álbum completamente diferente do que ele já havia feito até então. Um álbum pop e eletrônico, usando muito Auto-Tune no vocal e completamente minimalista.

Em "Love Lockdown" ele canta sobre sua confusão amorosa. O timbre do Auto-Tune, que é tão desprezado por uma parte das pessoas, serve para dar um tom de voz "quebrado", fragmentado, exatamente como seu estado de espírito estava, e não para "corrigir" sua voz. É fundamental diferenciar o uso do Auto-Tune como uma espécie de instrumento/efeito musical ao invés de uma forma de correção vocal, pois aqui foi exatamente essa a intenção do Kanye.

Outra característica do álbum é o uso de percussão orgânica e eletrônica (especialmente o TR-808, uma drum machine que dá nome ao álbum) juntos. Esta música talvez seja a que mais faz uso de percussão orgânica, tendo vários tambores (que eu desconfio serem taiko) tocando em um ritmo tribal (ou marcial) no refrão; nos versos temos apenas uma batida extremamente mínima feita no TR-808. Enquanto a música toda possui um riff de piano como harmonia pra voz, no final dela alguns sintetizadores acompanham o piano. A percussão tribal também faz uns ritmos bem interessantes nesse final.

Um dos detalhes legais - ainda que simples - que gosto nessa música é quando ele canta o verso "system overload" e sua voz distorce.

5. Isis - Celestial (The Tower)

Música: Celestial (The Tower)
Artista: Isis
Álbum: Celestial
Lançamento: 2000


Post-metal. Se você não está familiarizado nem com post-rock, eu explico: bom... explicaria se fosse um gênero fácil de explicar, mas a Wikipedia basicamente define como "o uso de instrumentos associados com o rock, mas usando ritmos, timbres e outros elementos musicais que NÃO são associados com rock". Eu sempre gostei dessa definição. Post-metal, então, seria o mesmo, mas... mais agressivo.

Esta é a primeira música do primeiro álbum do Isis (nota: não confundir com o grupo islâmico). Uma coisa que sempre me chamou a atenção nessa música (e justamente por isso decidi escrever sobre ela aqui) é a sua introdução. A música possui 9:42 de duração e sua introdução dura em torno de 2:40. Durante toda a introdução, há somente um acorde. Sim, um acorde tocando over and over and over, mas com mudanças no ritmo, na dinâmica e na oitava (explicando sobre a oitava: o mesmo acorde é tocado grave e agudo - porém, agudo aqui ainda é grave, afinal... isso aqui é metal extremo, caralho!). Ok, há possivelmente uma variação em determinado momento (pouco antes de entrar o vocalista gritando), mas ainda dá pra dizer que é tudo girado em torno daquele único acorde.

Aos 2:40, surgem outros acordes, assim como o Aaron Turner começa a cantar sobre um dilúvio chegando e a torre emitindo o sinal disso. Referências a oceanos e torres permeiam a discografia inteira da banda - pois é, eles não fazem letras normalmente associadas ao metal (oras, isto aqui é algo "pós-metal", afinal de contas). Mesmo com outros acordes, a música ainda gira em torno de uma só tonalidade e um só ritmo até os 5 minutos, quando tudo se silencia e a guitarra se torna limpa, tudo fica mais com uma cara de música ambient (ou de post-rock), com uma bateria esparsa, semi-tribal. Talvez o dilúvio tenha chegado, de fato, até porque antes da calmaria o vocalista já havia gritado que ele sentia estar se afogando. Pouco antes dos 7 minutos, uma melodia bonita de guitarra nos acompanha por esse mar até o final da música, num crescendo.

4. David Bowie - Aladdin Sane (1913-1938-197?)

Música: Aladdin Sane (1913-1938-197?)
Artista: David Bowie
Álbum: Aladdin Sane
Lançamento: 1973


Esse foi o primeiro indício de que o David Bowie não queria continuar fazendo rock ou pop tradicional para todo o sempre. Essa música é mais jazz do que qualquer outra coisa. E não é qualquer jazz, é um jazz bem específico: um jazz avant-garde.

A música começa normalmente, com uma interação bonita de guitarra, piano e baixo. David Bowie canta sobre o sujeito do título, que está de partida para a guerra. A guerra em questão é a Terceira Guerra Mundial, que a canção sugere que ocorrerá ainda nos anos 70 através de seu título - 1913 e 1938 foram os anos que antecederam a Primeira e Segunda Guerras Mundiais; 197? é deixado implícito.

Depois do segundo refrão, o piano de Mike Garson começa a ficar mais doido... MUITO mais doido, até que perde toda a tonalidade da música e se transforma num solo atonal e maníaco, enquanto o ritmo de fundo continua o mesmo: um baixo e bateria repetitivos, quase prefigurando seus experimentos com krautrock que viriam nos discos seguintes. O solo de piano dura 1 minuto e meio, para depois parecer que acabou, mas após Bowie cantar o refrão mais uma vez, o piano volta com seu solo esquizofrênico. Há também um saxofone na música, relativamente contido se comparado com o piano, mas reforçando o caráter jazzístico da canção.

Lançado em meio à fase glam rock do cantor, essa é uma das músicas mais experimentais dele até então. Mal sabíamos que no disco seguinte ele já começaria a experimentar com krautrock e funk, para a seguir mudar completamente de estilo e se transformar num cantor de soul music, e depois retornar ao krautrock e música eletrônica junto com a música ambient de Brian Eno por três discos. O solo livre de tonalidade simboliza sua sede por liberdade: ele queria escapar das amarras do rock.

13/02/2016

3. The Beatles - Tomorrow Never Knows

Música: Tomorrow Never Knows
Artista: The Beatles
Álbum: Revolver
Lançamento: 1966


LSD. Uma das músicas mais lisérgicas dos Beatles e dos anos 60 em geral, essa música tem de tudo, é como se fosse o som definitivo da psicodelia: o zumbido indiano da tambura, diversas colagens sonoras, guitarra e cítara com o som ao contrário, uma batida estranha e repetitiva, um vocal sob o filtro de um amplificador Leslie com seu tremolo característico, uma letra mística retirada de um livro que fala sobre a experiência alucinógena (e que é baseado no Livro dos Mortos tibetano), melodias derivadas da música indiana... Tem de tudo aqui - e olha que essa música ainda é do início da psicodelia, afinal, nem sequer era 1967!

Imagina as reações das pessoas ouvindo esse negócio em 1966!

Preciso ainda dizer o quanto essa música foi influente? Ela foi influente pra caralho durante aquela época e continuou sendo... Há quem diga que os elementos principais da música eletrônica atual estão todos aqui: "samples", batida repetitiva, uso do estúdio como principal instrumento, voz "robótica". Lembrando que esta música em si já pode até ser considerada pelo menos em parte eletrônica, pois o uso das colagens sonoras era prática da musique concrète (Pierre Schaeffer) e da elektronische musik (Karlheinz Stockhausen), duas vertentes eletrônicas da música erudita (nota: o Paul McCartney até assumiu que foi influenciado pelo Stockhausen ao gravar esta música).

É interessante notar que os quatro integrantes da banda contribuíram para que esta música tomasse a forma que tem: John com a composição e a letra (após ter lido o livro do Timothy Leary enquanto tomava ácido); Paul com as colagens de fita; George com a influência indiana; Ringo com sua batida simples e o título doido ("Tomorrow Never Knows" foi uma das frases engraçadas que ele costumava soltar).

2. Radiohead - Bullet Proof..I Wish I Was

Música: Bullet Proof..I Wish I Was
Artista: Radiohead
Álbum: The Bends
Lançamento: 1995


Uma das músicas mais tristes que conheço. Os primeiros segundos contêm sons ambient amedrontadores, mas quando o primeiro acorde surge, com toda sua melancolia, você sente imediatamente tuas emoções mais negativas fluindo. E quando o Thom Yorke começa a cantar? Puta que pariu, ele consegue me destruir às vezes com sua voz... Na letra ele diz que gostaria de ser "à prova de balas" para poder suportar suas dores emocionais. Seu falsete no refrão, acompanhado daquele dedilhado de guitarra, é pra quebrar o coração de quem ainda não foi atingido por toda a melancolia da música. Ou talvez você seja à prova de balas.

12/02/2016

1. My Bloody Valentine - Swallow

Música: Swallow
Artista: My Bloody Valentine
Álbum: Tremolo [EP]
Lançamento: 1991


Começando este blog com uma música da banda que dá nome ao blog (através de outra música deles). Não é das mais óbvias de se escolher deles, até porque só foi lançada em um EP e não em LP (embora tenha videoclipe), porém é uma das minhas favoritas da banda.

A música possui dois elementos distintos que a torna única na discografia deles: uma flauta em tom grave e um par de bongôs - porém, se são reais ou só sintetizados eu não saberia dizer. Esses dois elementos fazem a música ter uma sonoridade mais "exótica" em comparação com outras músicas da banda. Na flauta foi dado o mesmo tratamento de efeitos sonoros que as guitarras e gerais instrumentos melódicos costumam ter nas músicas da banda (e em grande parte do subgênero shoegaze, especialmente bandas que são influenciadas pelo My Bloody Valentine), isto é, uma leve alternância no pitch, que faz a melodia parecer "flutuar". Também faz a música ser muito sensual.

 E por falar em sensual, as letras são vagas como a banda sempre faz, mas você percebe o que deve ser o tema geral através do título e quando ouve a voz suave da Bilinda Butcher cantando, possivelmente, as seguintes coisas por cima do muro sonoro de distorção: "close the door / I want you more / you can crawl down / swallow, swallow, love / into my mouth". Oh, Bilinda...

Como é típico com a banda, a música termina com uma coda (uma conclusão musical) que é basicamente uma composição totalmente diferente do que se presseguiu. Eles fazem essas codas em diversas músicas e normalmente são trechos bem ambient, pra relaxar nossos ouvidos de toda a distorção e barulheira que ouvimos antes. Eles costumam prolongar bem as codas - esta aqui dura 1 minuto e meio repetindo os mesmos acordes de guitarra.